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A herança dos Jogos

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Rio de Janeiro - Recentemente o Brasil foi sede da Copa do Mundo de futebol, em 2014, e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Um dos principais palcos destes eventos foi o estádio do Maracanã, onde foram realizados jogos, aberturas - salvo a abertura da Copa, que ocorreu em São Paulo - e encerramentos. Em ambos, o sistema de segurança na região e adjacências funcionou muito bem enquanto o estádio era utilizado. Entretanto, logo após as Olimpíadas, o mesmo ficou fechado durante um bom tempo e isso afetou moradores e comerciantes locais, que reclamam da falta de segurança no bairro.

O ambiente para quem caminha e trabalha na região é de tensão e medo. Antes eram ruas movimentadas, com pessoas fazendo exercícios no entorno ou apenas visitando o ponto turístico. Hoje, o que se encontra é um fraco movimento e pouco comércio. Luís, morador do bairro há vinte e oito anos, comentou que só sai de casa em certos horários, pois os assaltos são recorrentes: “São sempre os mesmos moleques. De manhã , umas onze e pouca, até uma hora da tarde. Depois eles voltam umas cinco até sete horas da noite.”

Durante o tempo que passamos no Maracanã, vimos viaturas rodando pela área, mas ainda assim quem trabalha ou mora na área diz não resolver. No entorno do estádio, havia apenas um carro de polícia parado próximo ao museu do índio e uma cabine de segurança abandonada, embaixo da rampa do metrô, próximo a UERJ. Um agente da prefeitura que não quis se identificar, quando questionado sobre o funcionamento da cabine, disse que ela funciona e que polícias estão sempre usando. Já o Taxista Flávio Meireles, que trabalha há 12 anos próximo a universidade, diz o contrário: “Aquela cabine hoje está desativada. Durante as olimpíadas sempre tinha gente ali, mas hoje ela está abandonada” e completou falando que “a violência aumentou bastante. Toda hora tem assalto aqui, e não to falando de furto de celular, é assalto armado mesmo. Esse entorno da UERJ é muito perigoso.”

Dados do ISP (Instituto de segurança pública) mostram que o número de roubos cresceu na região que abrange Maracanã, Tijuca e Praça da Bandeira. Analisando o período entre janeiro e abril de 2014, ano da Copa do Mundo, e o mesmo período em 2017, o número de ocorrências cresceu em 91,3%. Se comparado com o mesmo período no ano das Olimpíadas, o crescimento foi de 38,5%.

Devido a grave crise do governo, a universidade ficou até Abril sem atividades, o que acarretou em um processo de esvaziamento e abandono do local. A situação do principal estádio do Rio não é diferente. Após os jogos Olímpicos, a Odebrecht, administradora do estádio, não aceitou de volta o Maracanã, alegando não estar nas mesmas condições que entregou ao Comitê Olímpico e decidiu vender sua concessão. No entanto, essa questão ainda não se resolveu.

Enquanto isso, comerciantes locais estão tendo cada vez menos lucro com a falta de movimentação na área e menos tempo aberto. “Miro” tem uma barraca de coco em frente ao estádio desde 1996 e também falou sobre a situação: “Todo lugar tá perigoso. Ao longo do tempo só piorou”. Durante os eventos que ocorreram, ele ficou impossibilitado de trabalhar pois apenas vendedores permitidos pela organização de segurança da área eram permitidos. Outro que sofreu com assaltos foi o jornaleiro Sandro, que possui uma banca de jornal na Av. Heitor Beltrão (rua bem próxima ao Maracanã) e que foi invadida por bandidos durante o Carnaval.

Paulo, aposentado de 65 anos, mora em frente ao estádio e todos os dias faz caminhada ao redor. Segundo ele, o policiamento de fato existe mas que não espanta quem esteja mal intencionado: “Eu deixo tudo em casa por medo de ser abordado. É um risco eu, já com uma idade avançada, sair de casa sem nenhum acompanhamento ou comunicação com a família, mas se saio com celular ou carteira e sou assaltado, como eu fico?”

Próximo a onde Paulo estava, havia uma viatura da Polícia Militar, quando perguntamos se mesmo com a polícia no local tinha alguma melhora, finalizou: “Isso aqui? Isso dá jeito? O máximo que acontece é desse lado não ter nada, do outro lado já estamos correndo risco de novo.

A sensação de insegurança também toma conta de quem estuda nas proximidades. Giuliana é aluna do colégio militar, mora no bairro há 15 anos e para ela a sensação de medo sempre existiu mas que, após ter presenciado uma cena de roubo na Praça Saens Pena, essa sensação piorou: “Outro dia cheguei lá e estava um bando de policiais conversando. Quando andei mais a frente, uma mulher estava sendo assaltada. Eles (os bandidos) não respeitam nem a presença da polícia. A falta dela é um prato cheio para arrastões e assaltos.”

Um dado alarmante do ISP, que está muito ligado ao público jovem principalmente, é o aumento significativo dos roubos a celulares. Nos quatro primeiros meses do ano de 2014 foram registrados apenas 30 roubos de aparelhos na região do Maracanã, Praça da Bandeira e parte da Tijuca. Já em 2016, esse número triplicou, chegando a 91 ocorrências e, em 2017, atingiu 104 (maior que o ano todo de 2014, tendo 101 roubos registrados).